29 junho 2008

Cultura do medo

publicado no Jornal O POVO de Fortaleza, em 28 junho
Para garantir a sensação de segurança, investir em vigilância é a solução. Para pesquisadores, o medo é maior do que a violência real
No prédio Estúdio I, situado no Meireles, os condôminos há um ano estão com um sistema de segurança composto por 16 câmeras e uma cerca sensorial em infravermelho, posta sobre as grades pontudas como flechas.
As câmeras ficam distribuídas nas entradas do prédio, nas garagens, nas entradas dos elevadores do térreo, algumas câmeras externas, entres outras. Todas são controladas por dois computadores. Um principal e um escravo. Este fica sob a guarda dos porteiros; o primeiro sob a responsabilidade da administradora do condomínio, Marilene Vieira. No entanto, apenas o computador principal pode armazenar e gravar as imagens. De acordo com a administradora, a medida é para evitar que funcionário da portaria, caso cometa uma infração, tente apagar as provas.
Os moradores decidiram implementar o sistema de segurança após furtos ocorridos na garagem do condomínio. “Agora estamos mais seguros. Qualquer problema que venha causar alguma dúvida de se algo aconteceu ou não no prédio, a gente pode olhar as câmeras e poder resolver”. De memória, ela consegue lembrar três situações em que as câmeras foram úteis.
Um morador comprou uma mercadoria em uma loja de Fortaleza no valor de R$ 1.500 e a loja disse ter entregue a encomenda. Disse horário e dia. As câmeras comprovaram a não entrega. Em outro momento, um condômino reclamou do desaparecimento do símbolo de sua Mercedes, alegando ter sido furtada dentro do prédio. As câmeras mostraram que no dia do desaparecimento, o proprietário já havia chegado ao prédio sem o símbolo. Recentemente, houve um arrombamento numa loja próxima ao condomínio, as câmeras externas detectaram o flagrante.
Mercado
O sistema adotado por este prédio nem chega a ser um dos mais sofisticados disponíveis no mercado. Para instalação de sistemas de segurança existem modelos desde os mais simples, com apenas quatro câmeras, até os mais sofisticados, com portões eletrônicos, 32 câmeras, cercas eletrônicas, catracas etc. De acordo com Daniel Moraes, proprietário da empresa Companhia de Segurança (CDS), os mais difundidos no mercado são as câmeras e os sensores de alarmes, com apoio de vigilantes.
Em residências menores, os pontos mais comuns de distribuição das câmeras são: porta de entrada, o quarto do filho, a cozinha e o espaço entre a porta e a casa, geralmente jardins ou garagens. As empresas garantem sigilo da imagem e privacidade. A partir da aquisição das câmeras, o cliente pode não só monitorar as câmeras de dentro de casa, como de qualquer outro computador conectado à Internet. Todos os equipamentos são destravados por um login e uma senha.
Preconceito
As imagens capturadas por meio dessas câmeras podem ser utilizadas como prova criminal. “É uma prova incontestável, mas claro que não pode ser utilizado como única prova. A gente sabe que a imagem pode ser alterada, por isso tem que haver exame da perícia”, afirma Giovani Tavares, advogado e doutorando em Sociologia na UFC, onde desenvolve pesquisa sobre segurança privada. Apesar desse motivo ser o argumento mais comum na defesa dos equipamentos, o pesquisador acredita que o medo na sociedade contemporânea é muito maior que a situação real de violência.
O sistema de implementação de câmeras privadas, e agora em espaços públicos, representam um preconceito das elites. “Os dados das pesquisas sobre violência e as incidências de ações criminosas não justificam o procedimento para a instalação das câmeras. O lugar onde elas serão instaladas mostram o preconceito da sociedade. São lugares de elite que possuem poder para garantir a câmera próxima de sua residência”, comenta.
O efeito inibidor para o bandido não é tão forte, segundo Giovani. “Meninos que praticam crime não estão mais nem aí para nada. Eu entendo como inútil esse processo de câmeras. Quando há uma oportunidade, acontece o roubo, as câmeras não influenciam na atuação das pessoas”. O pesquisador alerta que, em paralelo ao fenômeno da difusão do medo, está a expansão das empresas nos setores de segurança privada. (Tiago Coutinho)
E-MAIS
O Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Ceará (Sindesp-CE), até o fechamento desta edição (quinta-feira à noite) não disponibilizou os dados do crescimento das empresas do ramo no Estado. Numa consulta rápida no lista on-line, encontram-se 77 opções de empresas que prestam o serviço.