Apesar de exercerem uma função de extrema responsabilidade, profissionais da área ainda resistem a buscar qualificação
Cerca de oito anos atrás, logo que entrei para a faculdade, fui morar em um condomínio em São Paulo que era habitado basicamente por estudantes. Certa tarde, quando estava em meu quarto sem nada para fazer, ouvi alguém bater à porta. Uma amiga minha, que nunca havia me visitado naquele lugar (sequer sabia em qual apartamento eu morava), aguardava no corredor com um embrulho nas mãos. “O porteiro pediu para que trouxesse para você. Foi sua mãe quem mandou pelos Correios”, explicou ela.
Meio perplexo com aquela situação - afinal, minha privacidade acabara de ser revirada -, nem fiz caso e até achei engraçado. Pensando bem, o “tiozinho” da portaria até que era um sujeito bacana (meio intrometido, é verdade), que sempre me dizia “bom dia”, “boa tarde” e “como vai”. Quem importa se, nos dois minutos em que esteve de conversa com minha amiga, ele tenha devassado minha intimidade? “Ele me falou que eu havia dado sorte de te encontrar aqui hoje, pois em geral você costuma sair para ir à aula nesse horário, depois volta para jantar...”, disse minha amiga.
Profissionais como o’ tiozinho’ de meu antigo prédio estão se tornando figuras cada vez mais raras nos prédios e condomínios (e mesmo nas empresas). Cientes de que as funções do porteiro estão além do ato de abrir e fechar portas e portões, as empresas que atuam no mercado têm priorizado cada vez mais os profissionais capacitados na hora da contratação. Ser “gente boa” deixou de ser o único requisito para quem deseja atuar na área.
“A profissão de porteiro passou por uma grande evolução nos últimos anos. Não que antes ela tivesse sido simples. Só que, no passado, muita gente achava que a atividade se limitava ao controle de quem entra e quem sai do edifício”, afirma Cristiane de Oliveira Alves, analista de seleção e treinamento de uma empresa bauruense administradora de condomínios.
Na visão dela, pouco a pouco as pessoas começam a perceber que “a portaria é por onde começa a segurança de um prédio ou de uma empresa”. Por isso, nos processos seletivos organizados por empresas de segurança de Bauru, os candidatos são cobrados em quesitos que vão desde a boa aparência - é exigido aos homens, por exemplo, que estejam sempre de barba feita - até ensino médio completo e conhecimentos em informática.
“Qualificação é o alicerce para toda e qualquer profissão. Buscamos profissionais que desejam crescer na carreira”, afirma a psicóloga organizacional Gislaine Nazareth Aparecida Leite Gamba, responsável pelo setor de recursos humanos de uma empresa bauruense que presta serviços terceirizados de segurança.
Nos últimos tempos, aliás, encontrar profissionais qualificados não tem sido tarefa fácil para as empresas. “Bauru não conta com cursos específicos para quem deseja atuar em portaria. A escola mais próxima que conheço fica em Campinas”, salienta Gamba.
Na falta de mão-de-obra com capacitação específica, as empresas têm optado por candidatos formados em escolas de vigilantes. “Pelo menos eles têm um conhecimento básico na área de segurança”, diz a psicóloga.
Cursos de telemarketing, oratória e atendimento ao público (em suma, tudo o que possa vir a auxiliar no trato do porteiro com o público em geral) também costumam ser levados em conta nos processos seletivos. Como muitas guaritas são informatizadas (e há casos de candidatos a vagas que sequer sabem ligar um micro), conhecimentos básicos em computação também estão sendo considerados fundamentais
O treinamento básico para porteiros costuma ficar por conta das próprias empresas e dura, em geral, três meses. No decorrer do processo de qualificação, os profissionais recebem noções de como lidar com o público, atendimento telefônico, ou mesmo de como agir em casos de brigas entre vizinhos.
Estratagemas
Atuar em contato direto com o público não é tarefa para qualquer um - e os porteiros sabem disso muito bem. O vigilante Carlos José Toledo de Melo, 37 anos, que trabalhou durante algum tempo na portaria de uma faculdade em Bauru, teve de lidar com situações no mínimo inusitadas.
“Era comum, por exemplo, que alunos tentassem entrar na faculdade com bebida alcoólica (algo proibido pelas normas da instituição). Alguns chegavam a colocar cerveja dentro de latas de refrigerante para tentar nos enganar”, afirma ele.
Luciano Rodrigues Lessa, que, até semana passada, trabalhava como porteiro da mesma faculdade, também costumava ter trabalho com estudantes que tentavam burlar as regras da instituição. “Teve gente que chegou a falar que me daria R$ 50,00 para que eu liberasse a entrada com bebidas alcoólicas. Sem contar que algumas meninas tinham a capacidade de dizer: ‘Se você permitir que eu entre na faculdade com cerveja, mais tarde eu te dou um beijo’”, garante.
Em outras ocasiões, ele chegou a evitar que carros fossem roubados do estacionamento da instituição. “Houve vezes em que pegamos o ladrão dentro do veículo, prestes a se evadir do local”, confirma.
Fonte: Jornal da Cidade de Bauru